Os tesouros de Lourdes
Não sei se minha mãe já sabe e nem o quanto. Mas ao longo desses quase 40 anos de convivência, eu muito usufrui de seus melhores tesouros.
O primeiro, e talvez mais valioso, foi o seu colo. Por mais turvas e nebulosas que sejam as memórias infantis, ainda sou capaz de me lembrar do alento tranquilizador e aconchegante que sentia quando deitava encostado em sua pele macia, com cheiro de mãe.
Tive, deste tesouro, menos do que gostaria na verdade. Depois de fazer análise percebi que eu era muito mais carente de carinho e afeto do que conseguia expressar e que, embora meus pais abrissem seus braços, suas portas e ouvidos sempre que eu pedisse, algo tolhia minha coragem de pedir.
Ainda assim, tive o bastante.
Adolescente, conheci tesouros de outra natureza.
Na coleção de CDs que ficava em seu quarto, descobri minha paixão por Chico Buarque, Caetano, Djavan, Maria Bethânia e outros tantos ícones da MPB.
Nas oportunidades que tive de acompanhá-la em eventos da Universidade, cultivei a minha paixão pelo ambiente acadêmico, pela militância política e pelas lutas em prol de um mundo melhor e mais justo.
Adulto, isto se tornou ainda mais forte, quando me vi lendo os livros dela de Paulo Freire Gramsci, Marx, Boaventura de Sousa Santos, Clodovis Boff, na pesquisa e extensão que fui tão incentivando por ela a fazer, e que consolidaram a minha postura de fazer do(s) meu(s) trabalho(s) espaços de luta e de sonhos.
Foi ali pelos vinte e poucos que também me vi explorando a sua biblioteca de romances. Da estante da sala, retirei livros que proporcionaram experiências de profunda e deliciosa imersão, como Os pilares da terra , Olhai os lírios do campo, Ensaio sobre a cegueira, Capitães da Areia e até Oliver Twist.
Mais tarde, os tesouros mais marcantes que se fizeram presentes na minha vida foram outros: as suas palavras.
Palavras que, nos momentos mais difíceis pelos quais passei, me acolheram e me fizeram conseguir suportar as mais perigosas turbulências.
Palavras que, mesmo quando não são as mais profundas, manifestam a "onipresença" do cuidado materno na vida dos filhos, através de uma ligação ou mensagem singela perguntando se está tudo bem ou as novidades, me fazendo nunca esquecer que eu sou muito amado.
Hoje, que sou pai de Luísa e Marcos, eu constantemente viajo no tempo e vou buscar no meu passado alguns dos tesouros sutis deixados por mamãe que, na época, eu não tinha maturidade e/ou sensibilidade suficiente para perceber enquanto tais.
Percebo o quanto fui privilegiado com pais amorosos, que não usavam do medo ou violência como instrumento de "educação", que, à sua maneira e dentro de suas possibilidades, faziam tudo o que podiam para dar o que era melhor e importante para os seus filhos, não só em termos materiais, mas também nos incutindo valores e lições importantes, como a de não achar que dinheiro , cor de pele ou qualquer outra circunstância pessoal faz alguém superior aos demais, a de que devemos, enquanto podemos, aproveitar a presença de nossos avós e demais familiares e, também, a de que somos livres para encontrar o nosso próprio caminho pra felicidade.
Se, hoje, os seres humanos que mais admiro têm todos o traço em comum de serem pessoas humildes que lutaram e/ou ainda lutam pelas pessoas humildes, assim como fez Jesus Cristo, também devo isso aos meus pais. Foi porque cresci em um lar em que a humildade nos foi , desde cedo, revelada como uma das mais sábias virtudes.
Às vésperas de completar minha quarta década, posso dizer que, hoje, o maior tesouro que posso usufruir da minha mãe, o maior "presente" que dela recebo, é justamente a sua presença.
Embora ter sido gerado quando ela tinha apenas 26 anos me faça ter a expectativa de ainda ter um bom tempo de convivência, já vivi o suficiente pra aprender que a incerteza do amanhã e suas súbitas surpresas devem nos fazer viver o hoje com avidez e intensidade.
Por isso eu valorizo, como nunca antes, cada encontro, cada visita ou telefonema com mamãe , por mais breves que sejam.
Além de serem oportunidades em que tesouros como o carinho, as palavras, as memórias do passado e os exemplos se renovam e intensificam, há ainda o mais novo dos tesouros que se materializa no ato de presenciar o convívio dela com meus filhos.
Aqui me faltam palavras pra descrever o sentimento que isso me gera com objetividade.
Só posso dizer que há algo de mágico nesse encontro dos meus frutos com minhas raízes , que faz eu pensar no verso de uma música que gosto muito: "Eu sou uma árvore bonita.".
Foi com a minha mãe que comecei a aprender o quão próxima a felicidade está do amor.
E essa sabedoria guiou os meus passos para o caminho que escolhi e que me faz não ter mais hesitação ao afirmar: eu sou feliz.
Por isso é que, neste dia das mães, mais do que dizer "Parabéns!", eu preciso dizer pra Lourdes: Muito obrigado!
(Felipe José, 14 de maio de 2023)
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