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Um menino

Sei que ainda sou um menino Apesar das rugas e das cãs crescentes Apesar dos filhos, despesas e desafios que me tornam adulto, homem feito Sei que ainda sou menino Não "só" um menino Porque isso não é coisa pequena Guardam, os meus olhos, o brilho e o encantamento de quem (ainda) se deslumbra com o mundo De quem conserva a curiosidade pelas pessoas e seus universos e por todos os infinitos mistérios que conhece quem não tem medo de viver No profundo respeito pelo mar e pelo acalanto eterno de suas ondas Que acalma e rejuvenesce, seja se o contemplo ou se nele mergulho até ter vontade de dele nunca sair Percebo que sou menino Sempre hei de ser Pois já aprendi que nunca cessa minha vontade de brincar Com a brisa no rosto do barco em que navego, observo o Sol impor seu brilho sobre a noite Percebo que o horizonte, tal qual o desejo, não conhece limite pra quem nunca deixa de caminhar Sou menino Menino peixe Feito de água, de fogo e de vento Feito dos sonhos que costuro no tecido

Os tesouros de Lourdes

Não sei se minha mãe já sabe e nem o quanto. Mas ao longo desses quase 40 anos de convivência,  eu muito usufrui de seus melhores tesouros.  O primeiro, e talvez mais valioso, foi o seu colo. Por mais turvas e nebulosas que sejam as memórias infantis,  ainda sou capaz de me lembrar do alento tranquilizador e aconchegante que sentia  quando deitava encostado em sua pele macia, com cheiro de mãe.  Tive,  deste tesouro,  menos do que gostaria  na verdade. Depois de fazer análise percebi que eu era muito mais carente de carinho e afeto do que conseguia expressar e que,  embora meus pais abrissem seus braços, suas portas e ouvidos sempre que eu pedisse, algo tolhia minha coragem de pedir.  Ainda assim, tive o bastante. Adolescente, conheci tesouros de outra natureza.  Na coleção de CDs que ficava em seu quarto, descobri minha paixão por Chico Buarque, Caetano, Djavan, Maria Bethânia e outros tantos ícones da MPB. Nas oportunidades que tive de acompanhá-la em eventos da Universidade, cultive

Ainda é manhã

Em um dia cinzento e escuro de tão chuvoso (graças a Deus um sábado!), me permiti ficar somente em casa. Acordei cedo porque já não sei dormir até tarde. Em vez de teimar com o meu alarme interno que sempre me põe de pé às 06:00, e por mais tentador que fosse o calor e o conforto do edredom, dei início ao dia. Em ritmo lento e tranquilo, entretanto. Café no coador, ovos na frigideira e pão massa grossa na sanduicheira, liguei o rádio na 106,9 para ouvir um “FMPB” carregado de músicas suaves e nostálgicas, que minha mãe escutava no caminho pro colégio.  Depois de me aquecer por dentro com essa primeira refeição, um mamão com chia encerrou o meu desjejum.  Já faz tempo que faço do banho um momento de higienizar, também, a mente. Por isso, depois de escovar os dentes, pus no spotify um jazz adequado  à leveza matutina,  liguei o chuveiro em uma água morna que me fez ter muita vontade de ter uma banheira em casa e coloquei na tomada um aromatizador de ambientes que ganhara de um amigo “mís

Carta do mês de aniversário da melhor pessoa do mundo

Queridos Luísa e Marcos, hoje, dia 8 de dezembro de 2022, comemoraremos o aniversário da pessoa que eu costumo dizer que é a melhor pessoa do mundo, que é ninguém mais do que a mãe de vocês. Ela contesta essa alcunha por considerar que há um claro e tendencioso exagero da minha parte, mas garanto a vocês que é de verdade. Talvez vocês se perguntem ou me perguntem como posso afirmar que ela é a melhor pessoa do mundo se eu não conheço todas as pessoas do mundo. Pergunta bastante perspicaz, mas cuja resposta eu tenho na ponta da língua: É simples. Ela é a melhor pessoa do meu mundo, do mundo que eu conheço. Isso mesmo. Ainda hoje me sinto muito grato e sortudo por ter tido não só a oportunidade de conhecer e conviver com ela, mas de ter sido escolhido como a pessoa com quem ela desejava compartilhar a vida e criar uma família. Não sei se vocês já sabem disso, mas, desde o dia em que a vi pela primeira vez, eu tive a impressão/sensação de que ela poderia ser minha namorada. Nós nos

Lucidez

Luísa não queria dormir. À noite não dava trabalho. Mas, pras sonecas do dia, ela se recusava a adormecer, mesmo estando com sono Seus olhos vívidos e brilhantes, que ela insistia em manter abertos, pareciam dizer que havia muitas cores,  paisagens e movimentos que mereciam sua atenção. Foi como quando, aos 14, comecei a usar óculos e passei uma tarde inteira com o disc-man no ouvido e passeando pela rua do meu condominio observando o céu, as casas, as flores e tudo o mais que deslumbrava o meu olhar de nitidez recentemente recuperada. O olhar de Luísa me  convidou a resgatar essa curiosidade contemplativa sobre o mundo e me pus a tentar vê-lo com a mesma avidez com que ela o enxergava.  Deitado no tapete em que ela brincava, costas no chão e olhar para o céu, vi, no espaço entre as telhas e as flores lilases que balançavam sob o agito do vento, as nuvens brancas que passeavam devagar pelo azul claro do céu. Em um nível mais próximo de mim, vi e ouvi os passarinhos que flertavam com as

Canção noturna

Depois de tanto riso solto   e espairecimento de um difícil hoje E da imersão boêmia provocada pelas canções que escolheste Um círculo de vinho tinto que escorre da taça se forma na folha do livro em que está o teu poema preferido, Quando repousas ela pra me beijar a boca Línguas úmidas, mão, cabelo e nuca Corpos que se encontram Delicioso atrito do meu peito com teu seio Sem qualquer pressa ou urgência Degustamos pacientemente um momento   talvez único Como pode caber tanto desejo em uma madrugada? Teu sorriso, tuas tatuagens Tua voz ou tua perspicácia O que me fez cair no encanto que te faz centro? A lua já subiu alta, mas as estrelas e a brisa noturna fazem perfeita a paisagem desta varanda Sob o teu corpo, mãos sob a renda que estão sob o teu vestido Te percorro e em ti adentro após gentil convite Pulsão de vida que lateja   e me arrebata Enquanto envolto em teu perfume e em teu sabor inebriante Sinto que já valeria a vida só aquele instante.

Carta para meus filhos sobre as esperanças de outubro

Queridos Luísa e Marcos, outubro chegou nos trazendo esperança. Uma mudança importante no cenário político e social tenebroso que estamos vivendo se aproxima de nós e se torna cada vez mais palpável,  fazendo pulsar esse sentimento teimoso de esperança mesmo em quem já está calejado pelos golpes da vida e reluta em se entregar ao otimismo.  Não há como não pensar em vocês enquanto reflito sobre isso porque eu desejo que vocês vivam e cresçam em um mundo muito melhor do que ele seria se o grupo que está no poder permanecesse. Acompanhar vocês crescendo e se desenvolvendo também é algo que, em si, já me traz otimismo. Este mês Marcos aprendeu a virar de bruços sozinho, depois de empreender muito esforço nas primeiras tentativas até finalmente conseguir. Lulu está cada vez mais falante e sorridente e querendo ficar de pé quando seguramos as mãozinhas dela. E os dois já têm muito mais equilíbrio quando ficam sentados. São pequenas conquistas que podem parecer insignificantes pra quem vê de