Lucidez

Luísa não queria dormir.
À noite não dava trabalho. Mas, pras sonecas do dia, ela se recusava a adormecer, mesmo estando com sono
Seus olhos vívidos e brilhantes, que ela insistia em manter abertos, pareciam dizer que havia muitas cores,  paisagens e movimentos que mereciam sua atenção.
Foi como quando, aos 14, comecei a usar óculos e passei uma tarde inteira com o disc-man no ouvido e passeando pela rua do meu condominio observando o céu, as casas, as flores e tudo o mais que deslumbrava o meu olhar de nitidez recentemente recuperada.
O olhar de Luísa me  convidou a resgatar essa curiosidade contemplativa sobre o mundo e me pus a tentar vê-lo com a mesma avidez com que ela o enxergava. 
Deitado no tapete em que ela brincava, costas no chão e olhar para o céu, vi, no espaço entre as telhas e as flores lilases que balançavam sob o agito do vento, as nuvens brancas que passeavam devagar pelo azul claro do céu.
Em um nível mais próximo de mim, vi e ouvi os passarinhos que flertavam com as flores.
"Agora eu sei porque Marcos olha tanto pra cima quando está aqui fora", pensei. 
Mesmo soznho e fora de casa ainda tenho levado comigo esse bom hábito.
Indo ao trabalho pela praia, me encanto ainda mais com o azuzeverde do mar que é meu vizinho.

Mas é outra a beleza que tem comovido meu olhos e meu coração com mais intensidade.
 É a boniteza dos olhos, sorrisos, gestos e movimentos dos meus bebês que me faz perceber o quanto Manoel de Barros estava certo ao dedicar especial atenção ao detalhe, ao que é pequeno e sutil. 
 As mãos e pés em miniatura, as dobras e covinhas que se formam quando eles sorriem, os movimentos sutis ou bruscos nas brincadeiras e na  exploração das coisas, a intensidade do olhar quando estão diante de algo interessante, a paz que transmitem quando estão dormindo... 

Tudo isso me faz sentir um inédito prazer no simples fato de observar outro ser humano e aumenta a minha ansiedade boa de conhecer cada vez mais essas duas pessoas que há seis meses chegaram em minha vida.

Na resistência ao sono de Luísa, concluo que definitivamente não é preciso dormir para sonhar.
E que o verdadeiro "sonhar acordado" pouco tem de delírio. 

É utopia tangível.

(Felipe José, 17 de novembro de 2022)








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