Quando eu fui um José
Era criança ainda. Uns oito anos talvez?
Foi através da voz rasgada de Paulo Diniz que ouvi os versos desesperados de Drummond
Através do toca fitas de uma parati, me vi, pela primeira vez, diante de uma tradução artística do que hoje reconheço como angústia
Me identifiquei, a princípio, por ser o nome do personagem igual ao meu segundo
E naquele momento primeiro achei foi engraçado as variadas desventuras do José
Mas, na segunda ou terceira escuta, sabe-se lá, me pus em seu lugar
Me vi nas noites do domingo em que, talvez precocemente, me preocupava com o futuro do mundo e com o crescimento e a prevalência da maldade
E também nos choros e clamores que mantinha preso na garganta por não conseguir expeli-los e por não ter coragem (ou não enxergar a necessidade) de pedir ajuda
Na solidão profunda que sentia em tantos momentos, com a ausência de afeto e carinho ou de palavras que me fizessem ver um sentido a canção me fazia pensar no mal-estar que não era afastado pelos prazeres e anestesias e cuja insolubilidade eu já havia (pres)sentido antes mesmo de ler Freud ou fazer análise
Ao me questionar sobre o motivo da criação de um personagem tão desgraçado, entendi que, de algum modo, aquilo aliviava a náusea da existência vazia de quem traduziu em palavras o que sentia, amenizando, além do mais, a solidão de quem com ele se identificava.
Mesmo sem saber o que era teogonia e sem entender quer era “vienense” o adjetivo que qualificava a valsa, a canção me fazia pensar nos momentos em que, além de me sentir perdido, confuso e só, eu me via como um ser pequeno, não só em estatura,
Cuja irrelevância era reforçada pela imaturidade e insegurança – natural ou adquirida – de mais um José
que não sabia bem para onde ir
e nem por que estava ali.
(Felipe Rocha, 10 de julho de 2019)

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