Fuga

Era terça de carnaval, quase meia noite, quando os mascarados se encontraram.
Ele de fantasma da ópera e ela de cisne negro.
Por não tê-la reconhecido por trás da maquiagem e da máscara negra, perguntou: Quem é você?
Contudo, seja por ter entendido ser outro o objetivo da pergunta ou por simples desejo de manter o mistério de sua identidade, ela respondeu apenas: o Cisne negro.
Ele sorriu e não insistiu na inquirição.

Nem era de fumar, mas, ah porra!, era carnaval. Pediu, então, para ela, como Oswald o faria: Me dá um cigarro?
Sem que ele soubesse se era para conservar o maço ou por alguma intenção seduzente, ela lhe ofereceu aquele já aceso que fumava.
Ele pode sentir um pouco do seu doce hálito quando tocou os lábios na marca de batom que ela deixara no filtro e o trago desceu como um suspiro.

Ante a súbita precipitação da chuva, ele, meio que sem pensar, estendeu sobre ela a capa de sua fantasia. Ocasião em que ela percebeu que, ao contrário da sua, que revelava apenas a parte de baixo do rosto, a do rapaz mostrava todo o lado esquerdo de sua face.
Tocou-lhe com suavidade a parte descoberta, como quem explora com delicadeza e cautela um novo caminho recém-descoberto, e beijou-lhe a boca, de dentro do abrigo do seu abraço.

Ela, depois do beijo com gosto de cigarro e cerveja, aconchegou-se no largo peito do homem grande, cujo nome e a história desconhecia, e sentiu-se bem por coroar com carinho aquela fuga que ela havia se permitido, de tudo e de todos que faziam parte da sua rotina.
Nenhum dos dois sabia por quanto tempo ficariam juntos e nem se preocupavam em estabelecer qualquer projeção de permanência.

Entregaram-se ao presente, enquanto a lucidez pedia um intervalo.
Bastava saltar no escuro, de mãos dadas com o inesperado.

(Felipe Rocha, 28 de fevereiro de 2020)


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