A pipa na praia com meu pai


Lembro de uma manhã de domingo na minha infância em que fui com a família para a praia. Além do habitual picolé da Kibon, que me atraía com o sino do carrinho do vendedor, lembro de uma novidade desse dia: meu pai comprou para mim uma pipa - vulgo papagaio - que já estava voando no céu quando a adquirimos.

Não vivi a emoção de fazer o objeto colorido alçar voo, e nem sei se conseguiria, mas só me sentir no controle de algo que voava tão alto foi sim uma experiência especial para mim. Não foi isso, entretanto, que me despertou a vontade de fazer este relato.

Como a vida não é feita de clichês poéticos, durou pouco meu entusiasmo com a pipa. Antes que eu percebesse, uma outra cortou a linha que a sustentava no ar e ela saiu em queda livre para bem longe com um bando de garotos que eu nem conhecia correndo atrás do meu recém adquirido brinquedo.

Fiquei indignado e reclamei para o meu pai o absurdo deles terem atrapalhado o nosso momento cortando a linha da minha pipa e roubando ela. Mas foi a reação dele que fez esse momento se tornar inesquecível para mim.

Meu pai simplesmente sorriu e me explicou que era normal aquela “pirataria aérea” na brincadeira de pipa. Vi o entusiasmo dos garotos que corriam atrás do alvo que tinham acertado e me resignei com a perda.

O que há de especial no episódio? Nada que não seja sutil demais para alguém cujo senso de beleza é infectado por uma mania de grandeza. Mas, como uma singela metáfora de uma parábola infantil, naquele momento, meu pai me ensinou a preciosa lição de que há problemas na vida que, embora possam nos causar indignação, à primeira vista, podem ser enxergados com muito mais leveza se conseguirmos mudar a perspectiva a partir da qual a analisamos. 

E, mais importante que isso, ele estava comigo no momento em que precisei desabafar minha frustração e, ao seu modo e com seu afeto, me ajudou a digerir aquele sentimento negativo e a transformá-la em uma experiência que me ensinou muito mais do que a competição entre as pipas que ocorre no ar.

Aprendi também que não se sentir sozinho quando enfrentamos os problemas é um elemento importante para conseguirmos lidar com ele.

(Felipe Rocha, 23 de maio de 2020)

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