O monge e a árvore gigante
Um episódio inusitado foi aquele em que se viu o jovem monge chorar. Apesar de serem poucas suas décadas, a serenidade e a sabedoria de seus conselhos e ensinamentos pareciam não condizer com os seus olhos marejados. Dentre os curiosos para saber o motivo, um senhor engravatado sentou ao seu lado e questionou o porquê do pranto. Não só por curiosidade, mas por genuína compaixão, pois ele mesmo já contara com a ajuda do monge em um momento particularmente difícil de sua vida.
Hoje faz cinco anos que o meu mestre morreu, foi como justificou a intrigante tristeza. Sem saber bem o que dizer, o ouvinte apenas respondeu: mas ele era bem velhinho né? Não é exatamente trágica a morte de um idoso por motivo de doença, não é mesmo?
A indiferença do outro, contudo, não ofendeu o monge, que já estava acostumado com a miopia ocidental no olhar sobre a velhice. Dali brotaram alguns ensinamentos que merecem ser narrados, mesmo que o monge não estivesse com a intenção de fazer daquela ocasião uma oportunidade de aprendizado.
Caminhe comigo, pediu ao senhor de terno. Vagaram pela praça até chegarem a uma enorme árvore, que era a maior atração do local. Você sabia que essa árvore está morrendo e logo terá que ser cortada? O outro, tocou a palma da mão no largo tronco e, com pesar se lamentou: Que coisa triste! Essa árvore é uma Sumauma, apelidada por aqui de “barrigudeira”... Eu, que moro aqui no bairro desde a infância tenho inúmeras recordações de brincadeiras na árvore, descanso em suas raízes e até de namoros… Eu trocaria todas as flores deste jardim para manter viva esta árvore gigante, caso isso fosse possivel!!
Por quê? Você não sabe que dentre as flores há novas árvores crescendo. E que uma delas também será gigante um dia?
Mesmo assim… foram precisas tantas décadas pra esta alcançar todo esse tamanho, toda essa beleza é pra servir de cenário para tantas situações memoráveis!!!... Que eu vejo nela algo de valor inestimável!!
Pois bem, agora você consegue entender por que eu lamento tanto a partida do meu mestre, apesar dele já ser centenário quando nos deixou… A vastidão de sua sabedoria, de suas histórias - inclusive das que vivi com ele -, de suas experiências e ensinamentos, permitem que um jovem como eu já conseguisse perceber o quão valiosa era a oportunidade de conviver com alguém que tinha tanto a oferecer!
A diferença é que, enquanto a longevidade desta árvore a torna maior e visivelmente mais bela e preciosa, nós - seres de corpo tão frágil - tendemos a diminuir e a nos fragilizar com o avanço da idade, como se fôssemos criaturas se preparando para retornar ao ventre da mãe.
Mas, com um olhar suficientemente atento e sensível às pessoas que já não são jovens como nós, conseguimos perceber o quão rica pode ser a convivência com os anciãos.
O ouvinte engoliu seco e suspirou, compreendendo o que o monge tentará lhe ensinar e passando a vê-lo como a jovem árvore que um dia será tão grande quanto a que a antecedeu. A certeza do seu crescimento em tamanho e beleza não tornavam menos lamentável o fim da vida da já gigante barrigudeira.
Assim, mesmo que a humildade do jovem monge o impedisse de saber que estava cumprindo bem o ofício do seu mestre e que a partida deste não tenha sido abrupta e prematura, era bastante compreensível que suas lágrimas ainda escorressem por seu rosto, mesmo após cinco anos de ausência .
Disse-lhe mais, o jovem e sábio monge, que a morte de seu mestre lhe fazia pensar em um antigo provérbio africano que ele ouvira na infância e nunca se esqueceu: “Sempre que um homem morre, é como se uma biblioteca inteira se incendiasse”.
O outro concordou de imediato, imaginando o quão sábio devia ser o monge centenário que criou tão bem o mais novo, desde quando este era apenas um bebê órfão. E, ao pensar no vínculo profundo entre os dois, que, mais que de admiração e respeito, era também de amor, pousou o paletó e a gravata no banco da praça e abraçou o seu amigo.
Durante o abraço, permitiu-se chorar lembrando de mais uma importante lição que aprendera com o jovem: “Jamais censure suas lágrimas”. Mas abriu também um sorriso ao pensar - desta vez por conta própria - que aquele pranto era o mais bonito de todos: era o choro da empatia.
(Felipe Rocha, 17 de maio de 2020)
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