Pela fresta

Eu tinha bebido tanta cerveja e estava tão apertado que não lembrei de fechar a porta do banheiro masculino antes de usar o mictório.

Não seria nada demais se eu não percebesse, enquanto ainda esvaziava a bexiga, que era observado por uma moça do cabelo loiro platinado, batom vermelho, blusa preta, short jeans, meia arrastão e salto alto.

Ela esperava o banheiro feminino desocupar fumando um cigarro e me observando pela fresta da porta que eu deixara aberta.

Quando virei o pescoço para a esquerda e vi o rosto da moça, ela sorriu sem mostrar os dentes e sem desviar o olhar do meu rosto envergonhado. Como a bexiga ainda não tinha secado por completo, voltei os olhos ao mictório, como se um mero desvio de olhar tivesse o mesmo efeito que fechar a porta. Não teve.

Apesar de toda essa cena constrangedora ter durado uma fração de segundos, foi o suficiente para eu reconhecê-la como sendo uma artista plástica local que pintava corpos masculinos e femininos em obras que já tinham sido expostas nos museus da cidade.

Depois de lavar as mãos, olhei que ela tinha entrado no banheiro feminino e rapidamente comprei uma carteira de cigarro no balcão do bar. Fazia tempo que eu tinha abandonado esse hábito funesto, que só fez parte da minha vida, na verdade, em um curto período entre o fim da adolescência e início da vida adulta. Mas queria ter um pretexto para falar com a moça que fosse melhor que um pedido de desculpas por ter deixado a porta aberta.

Ela saiu do banheiro com o cigarro ainda aceso e eu pedi que ela me desse fogo. Sorriu como se soubesse do meu estratagema. “Ficou me esperando pra fumar comigo né?” Ela me desarmou quando jogou essa pergunta na lata. Como não sou muito bom de improviso, acabei me apoiando na única resposta que consegui pensar: “foi. Na verdade, eu queria te pedir desculpa por não ter fechado a porta do banheiro.“

“Eu não achei ruim não. Gostei de apreciar o teu quadril se contraindo e o teu embaraço quando percebeu que eu tava olhando.”

Não sei se ela fez de propósito e com a consciência de que aquelas palavras teriam esse efeito, mas tive uma ereção imediatamente depois que ela falou aquilo. Eu tentei disfarçar ajustando discretamente a calça jeans e a cueca, mas pelo sorriso de dentes que apareceram na boca dela, tive quase certeza que nada passou despercebido daquela mulher tão observadora.

“Eu acho incrível como as pessoas da arte conseguem ver beleza mesmo nas situações mais inusitadas.” Foi a coisa mais inteligente que consegui pensar em dizer no momento.

“Ah, então tu sabe quem eu sou?”.

“Sei sim. Eu já fui em umas exposições de obras tuas e te sigo no instagram. Mas confesso que tinha uma visão meio que idealizada de ti.”

“Eu sou mais feia pessoalmente, né?”. Ela disse sorrindo.

“Não, não é nada disso!”. “O que eu não esperava é que tu fosse tão... como posso dizer... acessível... Pra um cara comum como eu.”

Dessa vez ela sorriu mais alto.

“Tu é tão fofo. Vem aqui vem.”

E, como se não houvesse qualquer alternativa àquele comando, eu me aproximei dela e ela enlaçou meu pescoço e nos beijamos. Com uma lascívia tão intensa, que eu não sentia desde que comecei a encontrar mulheres por esses aplicativos de encontros.

Ainda bem que só nós dois estávamos ali, naquele momento, porque as nossas mãos se deram tanta liberdade quanto as nossas línguas e não esperamos a cama e os lençóis para começar a conhecer e a usufruir dos nossos corpos.

Ali começou uma história que ainda não decidi se continuo contando ou se a mantenho apenas entre as quatro paredes do quarto em que gozamos juntos e nas inesquecíveis memórias que aquele episódio deixou, pelo menos em mim.

(Felipe Rocha, 14 de agosto de 2021)

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