Hoje sonhei novamente com vovô.

Talvez porque este ano faz dez anos que ele partiu. Talvez porque tenho refletido bastante sobre masculinidades e seus efeitos sobre os diversos papéis que o homem ocupa ao longo da vida, como marido, pai, filho e avô.  Ou talvez porque, cada vez mais, me sei árvore, que, para ter tronco longo e largo e espalhar seus galhos, folhas, flores e frutos pelo céu, carece de raízes fortes que adentram fundo na terra.

Ele estava bem. Não só tinha a compleição física cheinha e corada, mas também estava isento da senilidade dos últimos anos.

Em um primeiro momento, assustou-se por ter passado “50 anos dormindo”, referindo-se ao tempo em que ficara senil. Não entendi muito bem porque dos 50, se, pelos meus cálculos, foram apenas uns 15, mas não é o meu ego racional que cria o roteiro dos sonhos.  Talvez os 50 anos venham do quanto representa a ausência de 25 anos para quem só viveu 37. Ou talvez de um medo inconsciente de que, daqui a 50 anos, seja eu quem me torne senil.

Não importa. O importante é que, passada a angústia inicial, ele se acalmou e conseguiu apreciar a companhia da família que ali estava. Estávamos todos na cozinha da casa da minha avó, almoçando e conversando. Vovó se esforçando para que a refeição fosse impecável. Até que eu disse: “Acho que já dá pra vovó sentar na mesa com a gente, né?”. Ela sentou ao lado do marido.

Havia uma consciência de que aquela presença comunicativa de vovô era temporária. E, após o almoço, eu consegui me despedir dele de modo adequado, como não foi possível no 28 de outubro de 2011. Eu lhe dei um abraço e disse: “Eu te amo vovô! Tenho muito orgulho de ser seu neto!”. Tinha consciência de que éramos homens muito diferentes em diversos aspectos. Mas a vida tem me ensinado a focar no que temos de semelhante, não de diferente. Naquilo que nos une e não no que nos separa.

Em um flash, vieram-me memórias comoventes de vovô me buscando no inglês ou na escola; dele me ensinando que não é interdita a dimensão do toque afetuoso entre homens, ao pedir um cafuné, sob o pretexto de que procurássemos piolhos na sua cabeça careca; dele ensinando a jogar dama e do olhar de orgulho dos filhos, que é tão visível nas fotografias que ficaram dele.

Eu, que sou um homem que tem tanta dificuldade em converter minhas emoções em lágrimas, acordei emocionado e com os olhos molhados. Grato pelo sonho que tive e por ainda ter a oportunidade de conviver com algumas das minhas raízes mais profundas.

Setembro começou bem.

(Felipe Rocha, 1º de setembro de 2021)

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