O menino jabuti
Perguntaram ao menino que bicho queria ser se não fosse homem. Respondeu sem titubeio: queria ser jabuti.
Notou desapontamento com sua
resposta. Esperavam leão, onça, gorila ou qualquer outro animal valente.
Pro menino, porém, pouco valor
tinha a valentia. Apetecia-lhe mais a
ideia de carregar sempre consigo sua casa e abrigo, a longevidade e a forma
vagarosa de passear pelo mundo.
Como podia querer ser tão lento?
Questionavam os demais.
Não entendiam, contudo, que, pro
olhar sensível e atento do garoto, era preciso ter calma e tempo para
contemplar a beleza das cores, das flores e dos amores e para absorver tudo o
que vinha desse contato.
Ele não estranhava a
incompreensão dos outros por neles notar um incessante movimento e um constante
barulho que os impediam de dedicar qualquer tempo a viver passivamente aquilo
que havia para além de si.
Mesmo um tio, que por ele nutria
suposto afeto, o chamava de “lerdo” por não compreender que qualquer melodia,
qualquer partitura, também é feita de pausa.
E que mesmo os silêncios mais
absortos e os ócios mais imóveis não são feitos de ausência.
São, ao contrário, condições para
a integração plena com esse vasto mundo que insistimos em ver como objeto separado de nós.
O menino tão bem aprendeu essa
lição ancestral, que não só se tornou jabuti, quando expirou seu tempo de
homem.
Mais tarde foi árvore alta, de
raízes profundas, que tinha tempo e calma para acompanhar as belezas sutis das
transições das estações, até finalmente voltar para a terra, que é mãe e casa
de tudo.
(Felipe Rocha, 26 de outubro de
2021)
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