Encontros
Vim para a beira-mar, seduzido pelas cores quentes do céu e do sol crepusculares e pela brisa gentil soprada pelo vento, que, àquela hora, já se despira do calor ardente de mais cedo.
Divago pensando que é um momento
feito de encontros. Do Sol com o mar, dos casais enamorados que assistem ao
espetáculo juntos, dos corpos com os espíritos, como dizem os místicos, e
também é quando o disciplinado Apolo, mencionado por Nietzsche, encerra seu
turno, depois de um longo dia de trabalho, e cede lugar para o boêmio Dionísio se
deleitar com os encantos da noite.
Meus devaneios foram interrompidos
pela figura de um homem que se sentara em um banco ao lado do meu. Estava
sozinho e olhava detidamente para o pôr-do-Sol, sem se distrair com
parafernálias tecnológicas, como faziam os demais.
Notei que ele ostentava um
sorriso tímido no rosto, mas que sangrava. Ali pela altura do peito uma mancha
vermelha lentamente se espalhava por sua camisa branca, em um fluxo que, apesar
de lento, fazia parecer que a ferida ainda estava aberta e que latejava.
Ele me viu olhando e mesmo assim
continuou sorrindo, até mostrou os dentes. Me aproximei. Notei que seu rosto
era marcado por rugas e linhas de expressão precoces para a sua pouca idade,
como a mostrarem que ele não saía ileso e que lhe custava caro sustentar aquele
sorriso o tempo todo.
Dói? Eu lhe perguntei apontando
para a mancha vermelha em seu peito. Ele pareceu surpreso de eu ter notado a
ferida, como se, por qualquer motivo, ele acreditasse que o machucado fosse invisível
às outras pessoas. Ele me deu uma resposta tautológica que talvez se
justificasse pela obviedade da resposta à minha pergunta: A minha dor também
dói.
Apesar disso, continuava
sorrindo. Ainda não sei de onde veio o impulso, se da angústia que aquele
sorriso me provocava, ou de algum outro lugar, mas cedi à vontade e encostei
minha mão no local do seu peito que parecia sangrar.
Sob o meu toque, o seu corpo
cambaleou. Mas, em vez de afastar minha mão, ele a pressionou com força para
que eu não pudesse tirá-la de lá. Olhei pros seus olhos. Vi que chorava.
O choro era límpido e transparente,
mas eu sabia que era feito da mesma matéria que o sangue rubro que acabara de ser estancado pela pressão da minha mão ou pela catarse de lágrimas que descia de
seus olhos. O sorriso finalmente cedeu lugar a uma boca trêmula de quem se
permite chorar. Muito obrigado, foi só o que ele me disse.
Naquele instante, algo estranho
aconteceu. Notei que seus olhos tinham a mesma cor, forma e tamanho que os
meus. Vi o meu rosto refletido no seu. Vi que o homem era o meu reflexo e,
enquanto ele desaparecia, finalmente percebi:
Era eu que sangrava.
Era eu que morria.
Era eu que chorava.
(Felipe Rocha, 10 de novembro de
2021)
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