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Mostrando postagens de janeiro, 2022

O tom certo

Não era possível que minha impressão de que havia interesse mútuo estivesse errada, mesmo que as trocas, até então, tivessem sido apenas de olhares não desviados que se demoraram um no outro e de sorrisos sutis. “De hoje não passa”, decidi convicta. O cenário era um tanto anômalo por ser a despedida do orientador do nosso grupo de pesquisa e uma festa com muitos professores e uns quase dez alunos que foram de gaiatos.  Mas duas taças de vinho já tinham atiçado o meu desejo e meu rubor na medida certa para uma abordagem mais ostensiva.  Encontrei minha presa ali onde ele mais gostava de ficar, no meio da roda com um violão na mão. Somente na música parecia que deixava de ser tímido. Talvez por ser quem melhor cantava e tocava ou por ter uma veia artística pulsante demais (que fazia ele questionar o tempo todo se estava no curso certo), era ali que ele se soltava e crescia e conquistava eu e algumas outras moças que, pro meu azar, eram mais atrevidas que eu. Ainda bem que a minha ofensiv

Fim de tarde bossa nova

Minha cidade não é nenhum Rio de Janeiro mas tem lá suas belezas, paisagens e cenários bossa nova. Me senti um verdadeiro playboy de classe média do Leblon quando parei na avenida Litorânea pra tomar guaraná da Amazônia à guisa de pré-treino. Mais ainda quando pus o fone de ouvido pra colocar uma trilha sonora condizente com aquele momento que parecia uma cena de novela do Manoel Carlos. O Sol cadente à minha esquerda e o balanço infinito do mar quase me distraíram da presença de Maria, que me fez percebê-la chamando "João!" com sua voz inconfundível, no intervalo entre uma canção e outra.  Vinha com a filha já mocinha de uns cinco aninhos e se acomodou em minha mesa e falou comigo com a intimidade de antigamente, como se não fizesse alguns anos que não nos falávamos e como se nunca tivesse ido embora.  Ainda bem que ela foi ao balcão antes mesmo de me abraçar, pois que assim foi possível esconder o impacto daquela desconcertante surpresa que me fez engolir seco. Na volta e n

Um último trago

É madrugada. A festa acabou. O vinho acabou. Faz um vento que periga chover, mas não sigo pra casa. Sintonizo o rádio do meu carro em um solo de sax de um jazz lento. Imprudentemente, abaixo o vidro da janela para sentir o vento frio no rosto que é o melhor alento à minha alma boêmia. Resgato um cantil com Old Parr e um charuto no porta-luvas pra um último trago e vou rumo às luzes urbanas dos cantos da cidade que ainda não adormeceram. Nem faço questão de companhia de gente, me bastam as canções.  Por que não me aquieto? Nem sei o exato motivo. Talvez porque os elementos desta madrugada são poéticos demais pra eu me recolher “tão cedo”. Talvez seja o meu escapismo pisciano que me faz tender a estender este momento que sinto como a cena de um bom filme noir ou de um musical dos anos trinta, como a trazer algum toque de charme e fantasia a estes olhos, mente e peito tão cansados da aridez desta realidade crua e cruel. Talvez porque sei que a arte é o melhor remédio para amenizar os sin