Fim de tarde bossa nova

Minha cidade não é nenhum Rio de Janeiro mas tem lá suas belezas, paisagens e cenários bossa nova.

Me senti um verdadeiro playboy de classe média do Leblon quando parei na avenida Litorânea pra tomar guaraná da Amazônia à guisa de pré-treino.

Mais ainda quando pus o fone de ouvido pra colocar uma trilha sonora condizente com aquele momento que parecia uma cena de novela do Manoel Carlos.

O Sol cadente à minha esquerda e o balanço infinito do mar quase me distraíram da presença de Maria, que me fez percebê-la chamando "João!" com sua voz inconfundível, no intervalo entre uma canção e outra. 

Vinha com a filha já mocinha de uns cinco aninhos e se acomodou em minha mesa e falou comigo com a intimidade de antigamente, como se não fizesse alguns anos que não nos falávamos e como se nunca tivesse ido embora. 

Ainda bem que ela foi ao balcão antes mesmo de me abraçar, pois que assim foi possível esconder o impacto daquela desconcertante surpresa que me fez engolir seco.

Na volta e no abraço, o cheiro dela alimentou com mais nostalgia minha taquicardia.

Pelos tênis e pela calça legging supus que ela voltava de uma caminhada ou ainda ia caminhar. Perguntei e ela confirmou ser a segunda alternativa a correta e me convidou pra um passeio. Valia a pena, decerto, trocar a musculação por aquele momento.

Não tinha intenção nem esperança de qualquer reaproximação romântica ou carnal. É só que depois que percebemos que, na vida, são raras as pessoas com quem temos uma conexão profunda, aproveitamos o quanto podemos a companhia dessas pessoas, ainda que a relação tenha adquirido um formato completamente distinto do original.

Por isso ela se tornara o passado com quem eu ainda gostava de sonhar e que me fazia acordar leve e sorrindo sempre que com ela eu sonhava.

Falamos de nossas famílias, cônjuges e filhos, satisfizemos a curiosidade mútua de saber as novidades mais importantes da vida de um e de outro e sorrimos bastante. Perceber o quão permeados de cores e afetos nossos caminhos se tornaram depois que os bifurcamos me fizeram ter certeza que nossos anos dourados estavam no presente e que alguns finais felizes são feitos de beijos de despedida. 

É tão bom te ver bem.  Ela me disse. 
É tão bom te ver.  Eu respondi.

Nos despedimos depois do pôr do sol, sem qualquer promessa de reencontro. Ainda assim, naquele dia não houve noite. 

(Felipe Rocha, 12 de janeiro de 2022)

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