O primeiro colo de Marcos

Marcos nasceu ofegante. Peso e tamanho surpreendentes pra uma gestação gemelar, mas ainda assim precisou de um tempinho depois do início da vida extrauterina pros pulmões funcionarem perfeitamente. Por precaução, foi pra UTI, com expectativa inicial de alta pra manhã do dia seguinte. 

O fato de só um dos filhos demandar cuidados pessoais dos pais de primeira viagem, naquele primeiro dia, não trazia, entretanto, qualquer ideia de alívio, apenas angústia.

Meu filho estava sozinho, desde que nascera. Ainda não tinha ido pro colo da mãe e o único contato com a família que poderia ter naquele dia seria a visita do pai às 16h00,  já que a mãe estava se recuperando da cesariana e que os protocolos de segurança impediam visitas na UTI que não fossem dos pais.
Por isso, às quatro em ponto cheguei lá e o vi dormindo  como um anjinho dentro de uma encubadora transparente e muito bem aquecida.

Cogitei deixar ele dormindo lá, ficar apenas observando-o do lado de fora da caixa transparente que o abrigava e deixar para carregá-lo apenas na visita da noite. 

A escolha era minha, foi o que disse o técnico que me acompanhava. Ao ouvir isso,  pensei e senti que era importante e urgente que ele tivesse logo contato pele a pele com alguém que o amava, para se sentir acolhido e aquecido pelo calor humano o mais rápido possível e pra começar a entender,  ainda que em um nível inconsciente,  que ele não estava sozinho na desafiadora tarefa de viver neste mundo.

Puseram Marcos em meu colo e ele se acomodou sem acordar. Me apresentei a ele como seu pai e fiz o que meu coração sentiu vontade de fazer naquele precioso momento: cantei para ninar seu sono.

Me emocionei cantando canções que associava com esse encontro mágico entre pai e filho.

Enquanto o fazia, pude examinar cada pequeno detalhe do corpinho perfeito daquele ser humano em miniatura , divino e maravilhoso. 

Enquanto o carregava e acalentava com sua cabecinha em meu peito, pensei que talvez ele ouvisse as batidas do meu coração como um ruído branco para acalmá-lo e logo me veio à mente a memória da primeira ultrassom, em que, depois que ouvi os corações de Marcos e Luísa baterem, senti um vínculo profundo e visceral com os meus filhos, mesmo ainda distante a data de conhecê-los. A partir de hoje os nossos corações batem num mesmo compasso,  foi o que pensei. 

A médica da UTI me explicou que a respiração dele estava boa e que só não dera alta da UTI, até então, porque ele tinha regurgitado as últimas refeições, mas que,  se não regurgitasse a próxima,  teria logo alta. 

Na hora lembrei do meu ato falho quando escrevi pra família que ia "tirar" Marcos na UTI em vez de visitar. A minha vontade era tirar ele de lá e levar  junto da mãe e da irmã que já estavam no quarto. Nós quatro juntos é o que faltava pra minha felicidade. 

Consegui. 

Depois de tomar a última dose de fórmula,  devolveram ele ao meu colo e pensei com convicção: tu não vais regurgitar e a gente vai sair daqui. Assim aconteceu. Arrotou nos meus braços e, enquanto o técnico tentava me ensinar a trocar a fralda, recebemos notícia da alta. 

Fomos juntos pro quarto e logo ele estava nos braços da mãe. A primeira vitória de muitas, eu pensei. 

Hoje sou eu que sinto necessidade do seu colo e do de Luísa. Parece que o meu frio matutino só passa  quando carrego um deles nos braços. 

Me sinto grato por pertencer a uma geração - ou a uma parte dela - que não vê problema nos homens expressarem fisicamente o seu afeto por seus filhos e filhas e que percebe que é saudável pra todo mundo que os sentimentos e emoções que a paternidade nos provoca escapem livremente por nossos olhos, gestos e palavras. 

Amor parece uma palavra muito pequena pra descrever o que sinto por Luísa e Marcos e o que eles representam na minha vida. 

Mas,  na falta de uma melhor,  eu vos digo: eu amo muito vocês,  meus filhos. 

(Felipe Rocha,  concluído em 16 de junho de 2022)





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