Avós: um plural feminino
Refletindo sobre a data de hoje, o dia dos avós, constatei
algo interessante: a palavra “avó” é o único substantivo feminino que não se
converte em masculino ao se tornar plural e abranger os do outro gênero.
Irmão e irmã se tornam “irmãos”, pai e mãe se tornam “pais”,
tio e tia se tornam “tios”, mas avô e avó se tornam “avós”, não “avôs”. Por
quê? Não sei.
A princípio cogitei que talvez tenha a ver com as
estatísticas que revelam a maior longevidade das nossas avós em comparação com
seus maridos. Porém, depois pensei que faz mais sentido essa aparente
“transgressão consentida” à regra geral da gramática decorrer da importância
dessas mulheres nas famílias brasileiras.
Afinal, não é à toa que nós chamamos sempre “casa de(a) vó”,
mesmo se o avô ainda está vivo e mesmo que o imóvel esteja no nome dele.
Expressão essa que, no meu imaginário (e acredito que no de muita gente),
carrega a ideia de um lugar de aconchego e abrigo, que está sempre de portas
abertas a nos receber, sem precisar de convite.
Levando para um cenário mais amplo, não há como não pensar
nas inúmeras famílias castigadas pela pobreza, que é agravada por gravidezes
prematuras e pela ausência de uma participação paterna efetiva. Famílias
matriarcais conduzidas por mulheres invisíveis (para o mercado e para os
holofotes do reconhecimento público) que, mesmo com um salário mínimo de
remuneração, exercem simultaneamente o papel de mãe e de avó, dando moradia e
alimentos a seus filhos e netos e
participando ativamente na criação e educação dessas duas gerações de
descendentes.
Mas preferi centrar minhas reflexões no cenário mais
“micro”, aquele que eu conheço de perto. Lembrei da minha vó Dadá, que, mesmo
depois de ter e criar 13 filhos, ainda participou ativamente da criação de
primos meus que chamam ela de “mãe”.
Lembrei da minha vó Iracy, típico exemplo daquelas pessoas
que não são de dizer “eu te amo” e nem são muito de abraçar as pessoas, mas
cujas atitudes e cuidados tornam o amor por nós algo absolutamente palpável,
concreto e inquestionável. Seja através de um mingau levado pros netos na beira
da cama, seja na forma respeitosa e atenta que ela me ouvia e tranquilizava
quando eu era um guri excessivamente preocupado (que ficava ainda mais
“medroso” quando os pais viajavam), seja nos lanches e nos dedos de prosa que
tinha com ela quando ia “fazer hora” em sua casa, até a hora de ir dar aula ali
perto do Centro...
Depois que eu e minha mulher nos tornamos pais e que nossos
pais se tornaram avós, essa reflexão ganhou uma dimensão ainda mais profunda e
comovente. Antes mesmo de ser pai, já pude testemunhar a participação ativa da
minha mãe nos cuidados com minha sobrinha Maju, que ia muito além de um simples
“bilu bilu” de cinco minutos. Depois que meus bebês nasceram, a presença
frequente da vovó Lourdes na maternidade e na casa onde estamos morando,
naqueles difíceis primeiros dias, fizeram o meu sentimento de gratidão, que já
era grande por tudo que recebi e tenho recebido enquanto filho, crescer
exponencialmente.
Também me emociona muito lembrar de tudo que a vovó Jesus
fez e tem feito por Marcos e Luísa e também por mim e por Flávia. Além de,
junto com o vovô Juarez, ter montado o “primeiro ninho” dos nossos bebês com
tanto zelo, cuidado e acolhimento, ela se permitiu, aos 65 anos, entrar numa rotina
intensa de cuidados com os netos e com a filha, sem jamais perder a alegria e o
entusiasmo.
Não quero, de modo algum, desmerecer a importância que os
“avôs” têm ou podem ter em todo esse processo. É só que, pensando em tudo que
essa data simboliza, achei justo que, assim como o feminino prevalece na
palavra, sejam as mulheres que prevaleçam na homenagem.
Afinal, já é hora de superarmos esse ranço machista e
patriarcal que naturaliza o “sacrifício” da mulher no papel materno, tratando-o
como uma “mera obrigação”, e reconhecermos o protagonismo quase heroico dessas
mulheres que, com sua ternura e simplicidade, com seu afeto e cuidado, são o
esteio que mantém nossas famílias fortes e unidas, sem qualquer pedido de
gratidão e reconhecimento.
(Felipe Rocha, 26 de julho de 2022)
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